segunda-feira, 31 de agosto de 2009

TRANSFORMANDO VENENO EM CURA -- ENTREVISTA COM HAMILTON VAZ PEREIRA


Hamilton Vaz Pereira e sua trupe produziram abalos sísmicos na vida cultural carioca entre os anos 70 e 80 com Asdrúbal Trouxe o Trombone. Desde então não parou mais: com uma produção infatigável, que quer sair da sala de estar para pensar a vida, (como já fazia o gregão antigo, sua grande fonte de inspiração), Lord Hamilton está de volta como professor, no teatro O Tablado, (onde um dia foi aluno) e com a produção de dois espetáculos engatilhada - Deus é química de Fernanda Torres que estréia em maio, com Luiz Fernando Guimarães e Jorge Mautner no elenco e Colapso, texto seu que deve estrear em outubro.

AB- Atualmente, que lugar ocupa o teatro dentro da nossa cultura?

H – Eu vejo o seguinte, o teatro é como se fosse um oásis no meio de um deserto. É o espaço onde algumas pessoas se encontram para produzir ou participar de alguma coisa muito semelhante à vida. Isso tem a ver com uma vida concentrada, onde você afasta o mundo conhecido, para assistir à alguma coisa nova, que te esclareça algum ponto de seus sentimentos, da sua vontade de viver ou da sua não-vontade de viver. Esse espaço inventado pelo gregão com o nome de teatro é alguma coisa muito boa e seria melhor se a humanidade aproveitasse mais isso. A tão falada globalização homogeneíza as pessoas e os lugares : precisamos ser os mesmos para viver no mesmo planeta. O teatro deve então exatamente exaltar a diferença, a singularidade.

AB – Seus últimos trabalhos tem uma influência bem significativa da mitologia, da filosofia, dos clássicos gregos em geral. O que essa herança cultural representa para você?

H - Teve um certo momento na minha criação para o palco, que eu comecei a me envolver com os clássicos. No caso de uma pessoa ligada ao teatro se envolver com os textos antigos não é nenhuma surpresa. Desde o banco escolar você ouve falar ou lê nos livros, que a Grécia é o berço da civilização ocidental, e o que isso significa? Significa que o gregão inventou tais e tais coisas que norteiam a vida da gente. Então essa invenção do teatro serve como uma espécie de antídoto pra infelicidade terrestre. Para você pensar em ter alguma compreensão da vida, você terá que entender que a vida é alegria e tristeza ou é dor e prazer, Dionísio e Apolo o tempo todo. O que significa Dionísio no reino de Apolo? Se você louva Dionísio como deus no teatro você está fudido, porque Dionísio leva a morte, Dionísio é veneno. Se você é um seguidor de Dionísio você pode ter a certeza que você vai morrer mais adiante. Você vai cantar, você vai dançar, você vai beber, vai trepar, mas o último estágio é a morte. O que acontece se você faz teatro: você pega Dionísio e bota no reino de Apolo. Ou seja, o que era veneno se transforma em remédio, para te curar, pra curar o espectador. Então você finge que mata, mas não mata, você finge que morre, mas não morre e por aí vai. Então quando há uns vinte e pouco anos eu saquei isso por força de leituras e convívio com certas pessoas, eu achei muito lindo. Eu pensei então: é por isso que eu gosto de teatro. Eu não gosto de metralhadora, eu gosto de guitarra elétrica, tá entendendo? Eu não gosto de porrada, eu nunca briguei fisicamente com ninguém na minha vida, e pretendo não brigar com vocês (risos). Talvez alguma contribuição que eu tenha dado ao teatro até agora, com relação a esse aspecto dos clássicos, tenha a ver com o fato de que nunca me intimidei com eles. Por exemplo, se estamos falando de Cervantes, eu digo, “ok, eu sou o Hamilton, muito prazer, vamos trabalhar juntos”. Eu tenho que ficar a vontade para criar.

AB- O que é, agora, estar retornando ao teatro onde você iniciou sua carreira?Que transformações você identifica nesta passagem entre o jovem estudante de teatro e agora o artista maduro?

H- Muito interessante, porque eu tenho sentido já de alguns meses pra cá uma coisa que é própria da idade. Eu tenho 57 anos, então além de pensar no futuro, começo também a sentir que tenho um passado. Eu nunca tinha prestado muita atenção no passado, mas agora por força da idade tenho sentido essa necessidade avaliar o que eu andei construindo. Esse retorno ao Tablado chega no momento em que eu me sinto meio um Ulisses que retorna para sua Ítaca, tá entendendo? Quanto às mudanças... a primeira coisa que me ocorre é: mudança nenhuma. E depois tem todas as mudanças do mundo. O mesmo tesão que eu tenho de inventar uma cena, de produzir, de dirigir um espetáculo teatral continua o mesmo. Mas tem o lado da velhice não é? Enfim, eu fico pensando assim... eu tava conversando com a Lena, a minha parceira mais freqüente nos últimos anos: na hora de dirigir, eu gosto de me atirar no chão, de correr e não sei o quê. Quanto é que isso vai ter que mudar? Meus espetáculos vão ser mais sentados, só fumando charutos ao lado da lareira?

AB- Você tem ido ao teatro, você tem gostado do que vê, como você tá avaliando?

H - A grande maioria do que assisto são coisas muito fracas, mas, assisti ao Hamlet e fiquei muito contente. Tenho escutado amigos meus, espertos e cultos, criticando a montagem dizendo coisas idênticas ao que a crítica escreveu no jornal, repetindo palavra por palavra. Eu acho o espetáculo Hamlet de Shakespeare, Aderbal e Wagner Moura uma coisa muito boa - muito acima da média do que eu tenho assistido. Aí, quando escuto comentários negativos penso que isso é papo de quem não tem o que pensar da vida.Vai gostar de quê? De monólogo de mulher falando mal de homem? Poxa as mulheres lutaram anos pra se tornarem autônomas... que besteira rapaz! E o público acha graça disso? Muito esquisito... eu acho esses monólogos o fim da picada!

AB – O que você acha da crítica teatral que sai na mídia impressa?

H –A minha experiência é que tem me servido muito pouco. A crítica de maneira geral tem uma pretensa imparcialidade que não existe porque teatro é paixão. Me espanta muitíssimo, para ficar só nos críticos cariocas (que permanecem os mesmos há anos), que nenhum tenha tido até hoje a capacidade ou o interesse, de produzir livros que analisem e lancem reflexões sobre o que assistem.

2 comentários:

  1. Querido Pedro,gostei do seu blog,criativo e de
    nivel elevado ,gostei das entrevistas ,mas não consegui informações sobre o autor a equipe e em nenhum momento aparece o nome do autor ou do blogueiro .Explique ,por favor. Estarei em contato. Parabens .Beijos EK

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  2. Gostaria de ter confirmação de recebimento,pois é a primeira vez que envio um comentário. Bjs EK

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