sábado, 19 de novembro de 2011

Viúva, de Diane Arbus


A viúva no seu quarto. Ela está sentada na cadeira de madeira. A viúva usa um vestido de seda chinesa em tom claro e brilhante, com mangas curtas, que deixam seus braços à mostra. O vestido vai até o joelho, deixando tambén suas pernas descobertas. Nos pés, um salto no mesmo tom claro do vestido e junto a cada umas das pontas uma pedra cristalina circundada por detalhes dourados. No pulso esquerdo, um imponente bracelete de ouro adornado com pedras preciosas. Um laço bem apertado, logo abaixo do busto, desejaria sustentar todo o  jogo de articulações da coluna de modo firme contra o encosto da cadeira. Desejaria. A viúva é uma senhorinha impecavelmente vestida em nobre e comovente desalinho. Ela entorta-se na cadeira. A viúva recosta apenas a metade de sua coluna e a outra metade prolonga-se fora no espaço. Um nobre e comovente jogo de desalinho: o braço direito apoia-se no espaldar deixando a sombra os dedos pontiagudos que parecem interligados por uma membrana, como a pata de um réptil. O joelho esquerdo entorta-se levando sua perna magra a apoiar-se contra a outra.  Jogo de articulações, pesos e contra-pesos que termina ao alto com o coroamento de sua delicada cabeça e um corte de cabelo capacete à la Doris Day – sua cabeça parece se fixar sobre o pescoço graças a um colar de perólas enroscado em voltas e voltas. No seu entorno um quarto amplo povoado de estampa oriental, papel de parede, carpete cor de poeira. A viúva no seu quarto poderia ser mais uma imponente e patética peça de decoração. Poderia ser mais um objeto kitch dessa coleção de esquecimentos. E eu até a descreveria assim. A viúva poderia ser, por exemplo, um majestoso vaso chinês pintado a mão com relevos em ouro e flores artificiais ao alto. Ou quem sabe ela poderia ser um antigo comptoir de madeira maciça e escura repleto de estátuas budistas em porcelana. A viúva no seu quarto vive povoada de objetos decorativos sem uso ou função. Ela, pequenina, até se confunde com eles.  Eu até poderia descrevê-la assim. Mas quando a olho não ignoro que o seu olhar revela um sereno desespero. Eu não ignoro que seu olhar me conduz em nobre e comovente desalinho até aquilo que se perdeu. Aquilo que  eu e ela desejaríamos que estivesse lá, mas sumiu. Quando eu a escuto com atenção noto uma estranha vibração sonora: estalos de madeira e ruídos ínfimos que racham o aparente silêncio e imobilidade decorativa.  É  por esta fresta  que voam os dragões chineses,  nascem as flores de lotus, reluzem as condecorações do marido morto na guerra e rufam os tambores do desejo. Uma viúva de coração.


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