terça-feira, 13 de abril de 2010

Entrevista Tempo Festival das Artes sobre o espetáculo "Do Artista Quando Jovem".

Do Artista Quando Jovem, é espetáculo mais recente da AQUELA COMPANHIA DE TEATRO, em cartaz nos meses de março e abril deste ano no Espaço Sesc Copacabana.


TEMPO FESTIVAL: O processo de criação do grupo parte de um romance. Esta operação é recorrente no grupo. Qual é a relação possível entre Literatura e Teatro?

Arena dos Bodes: A questão da literatura e teatro parece ser  boa. Penso frequentemente que temos uma vida toda para ler um mesmo livro e, a cada nova leitura, a recepção se transforma, e, portanto, produz-se um novo livro. Mas e uma peça de teatro? Quanto tempo temos para assistir uma peça? A recepção de uma peça é imediata, polissêmica, muitos signos simultâneos. O corpo, as sensações estão mais em evidência no acontecimento teatral. Penso que o que para a literatura experimentamos muitas vezes como espiritual, no teatro, há a chance de uma encarnação. Sempre se falou historicamente de uma certa submissão do teatro em relação a literatura dramática. No nosso caso é justamente o oposto. Penso que a realidade imediata da cena, a sobreposição de signos (luz, música, cenário, etc.), a ação, a performance dos atores, o acontecimento coletivo tão característicos do teatro podem ser ferramentas para criar aberturas, desmontar o primazia do sentido no texto literário.

TEMPO: Em Subwerther, Lobo n1 e Projeto K, a “adaptação” foi produzida em processo colaborativo. E no novo espetáculo: foi processo colaborativo?

A.B.: Difícil fazer teatro sem criar em um processo colaborativo. Mesmo com o texto pronto e partindo para uma montagem tradicional, será sempre colaborativo. Quero dizer que será sempre uma obra coletiva e se produz na troca, nos trânsitos de um sujeito ao outro. No caso do Artista Quando Jovem ficamos muitos meses concebendo o espetáculo, pesquisando, lendo Joyce, e outras referências. Quando partimos para os ensaios, já tínhamos idéias estruturadas, cenas escritas, mas não um corpo dramatúrgico completo (até hoje acho que ainda não temos). A coisa foi se criando mesmo no dia-a-dia, na troca, de acordo com o tratamento sensível e singular de cada ator. Trata-se, sem dúvida, de uma obra aberta. A única diferença em relações ao demais trabalhos é que neste espetáculo tivemos um grande tempo de elaboração conceitual e um tempo curto de execução, o que tornou a aventura ainda mais perigosa e arriscada.

TEMPO: Como o Tempo é trabalhado neste espetáculo? O Tempo é uma matéria de trabalho importante no processo? Que experiência temporal vocês oferecem ao público?

A.B.: O tempo é um elemento importantíssimo para o espetáculo, nas seguintes relações: tempo-memória e tempo-criação. A peça começa antes de existir o tempo, no jardim do éden, no alvorescer da criação. Adam e Eve tomam um brunch em um situação totalmente cotidiana. Eles tem diante de si um ovo, o último nome para completar a criação do Chefe. Eles são tentados a desrespeitar as ordens do Chefe e a criar pela primeira vez. Pensam que não deveriam chamar aquilo de ovo. Chamam então de Sweetness of Sin (doçura do pecado). Neste instante de subversão, eles acabam punidos pelo Chefe. Eles caem. E na queda, cria-se o tempo. Em seguida, Dedalus, nosso herói, nosso jovem artista, acorda desmemoriado e tenta recompor sua memória, sua identidade. Nesse sentido, o tempo atua como um fluxo de imagens, fluxo de consciência, lembranças e acontecimentos vividos por Dedalus. Por outro lado, subjacente a esta historinha, o que está em jogo é o tempo objetivo de uma criação através da contagem de tempo de um cronômetro. A virada de Dedalus é justamente essa: o único jeito de Dedalus escapar do labirinto da memória, labirinto do passado é perceber que o que está em jogo é o tempo objetivo de uma criação. Um criação teatral que ao chegar ao final do tempo suspende-se como se nunca tivesse existido.

TEMPO: Neste trabalho, a metalinguagem é protagonista? E a imaginação, o “pode-ser” na cena e na vida?

A.B.: A metalinguagem é uma premissa para peça. Estamos tratando do jovem artista portanto temos aí a possibilidade de falarmos de nós mesmos. Mas é fato que a metalinguagem se tornou um lugar comum não só do teatro, mas de toda arte contemporânea; se for levar em conta o modernismo são quase cem anos de metalinguagem. Um filme que inspirou e acho que eleva ao paroxismo esta questão é o Sinédoque, do Charles Kaufmann. Neste filme, Kaufmann explode com esse esquematismo cena-comentário tão comum nas metalinguagens.
Quanto a questão da imaginação: ela é a função que nos coloca em uma situação de alto grau de risco neste tipo de trabalho. Muitas vez tivemos que abrir mão do desejo de acertar, de fazer algo claro, coerente e natural para espectador, em função dos caminhos tortuosos, das encruzilhadas e mesmo de um certo hermetismo das imagens. Sabemos que o hermetismo está fora de moda e isso pode ser um problema. Se você for ler Joyce vai sacar nas primeiras linhas que ele não tem a menor a intenção de seduzir o leitor. Ao contrário, parece antes que há uma inversão: Joyce gostaria de ser seduzido pelo leitor. E aí estamos diante de um problema: nos tempos de uma cultura hiper-pop onde o jogo de sedução com espectador ou leitor é cada vez mais explícito, o que é possível fazer? Não que no “Artista…” não haja sedução – basta ver a beleza visual das cenas – mas honestamente em termos dramatúgicos optamos por enfraquecer o potencial de sedução. Um espectador vai para o teatro normalmente atraído para ver, ouvir e sentir uma história, quando se dá conta a história se conta por fragmentos, por deslocamentos, por condensações de personagens, como um sonho. O espectador não tem a ilusão de controle como no bom teatro dramático, no qual ele sabe tudo o que os personagens não sabem. Quisemos colocar o espectador no mesmo grau de controle e consciência que nosso protagonista Stephen Dedalus, o desmemoriado. A cenas, as imagens, os diálogos vão se sucedente sem nenhuma carpitaria, sem nenhum preparo, simplesmente acontecem.

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